sábado, 11 de junho de 2011

Namorado; ter ou não ter...

Quem não tem namorado é

alguém que tirou férias não remuneradas de si

mesmo. Namorado é a mais

difícil das conquistas. Difícil porque namorado

de verdade é muito raro.

Necessita de adivinhação, de pele, de saliva,

lágrima, nuvem, quindim, brisa

ou filosofia.

Paquera, gabiru, flerte,

caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil.

Mas namorado, mesmo, é muito

difícil.

Namorado não precisa ser o

mais bonito, mas aquele a quem se quer

proteger e quando se chega ao lado

dele a gente treme, sua frio e quase

desmaia pedindo proteção. A proteção

dele não precisa ser parruda,

decidida, ou bandoleira: basta um olhar de

compreensão ou mesmo de

aflição.

Quem não tem namorado não é

quem não tem um amor: é quem não sabe o

gosto de namorar. Se você tem três

pretendentes, dois paqueras, um

envolvimento e dois amantes, mesmo assim pode

não ter namorado.

Não tem namorado quem não

sabe o gosto da chuva, cinema sessão das duas,

medo do pai, sanduíche de

padaria ou drible no trabalho. Não tem

namorado quem transa sem carinho, quem

se acaricia sem vontade de virar

sorvete ou lagartixa e quem ama sem alegria.

Não tem namorado quem faz

pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é

fazer pactos com a

felicidade ainda que rápida, escondida, fugidia ou

impossível de durar.

Não tem namorado quem não

sabe o valor de mãos dadas; de carinho

escondido na hora que passa o filme;

de flor catada no muro e entregue

de repente; de poesia de Fernando Pessoa,

Vinícius de Moraes ou Chico

Buarque lida bem devagar; de gargalhada quando

fala junto ou descobre a

meia rasgada; de ânsia de viajar junto para a

Escócia ou mesmo de metrô,

bonde, nuvem, cavalo alado, tapete mágico ou

foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não

gosta de dormir agarrado, fazer sesta

abraçado, fazer compra junto. Não tem

namorado quem não gosta de falar

do próprio amor, nem de ficar horas e horas

olhando o mistério do outro

dentro dos olhos dele, abobalhados de alegria

pela lucidez do amor. Não

tem namorado quem não redescobre a criança própria

e a do amado e sai

com ela para parques, fliperamas, beira d'água, show do

Milton

Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical na Metro.



Não tem namorado quem não tem

música secreta com ele, quem não dedica

livros, quem não recorta artigos,

quem não chateia com o fato de o seu

bem ser paquerado. Não tem namorado quem

ama sem gostar; quem gosta sem

curtir; quem curte sem aprofundar. Não tem

namorado quem nunca sentiu o

gosto de ser lembrado de repente no fim de

semana, na madrugada ou

meio-dia de sol em plena praia cheia de rivais. Não

tem namorado quem

ama sem se dedicar; quem namora sem brincar; quem vive

cheio de

obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele. Não

tem

namorado quem confunde solidão com ficar sozinho. Não tem namorado

quem

não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.



Se você não tem namorado

porque não descobriu que o amor é alegre e você

vive pesando duzentos quilos

de grilos e medos, ponha a saia mais leve,

aquela de chita e passeie de mãos

dadas com o ar.

Enfeite-se com margaridas e

ternuras e escove a alma com leves fricções

de esperança. De alma escovada e

coração estouvado, saia do quintal de

si mesmo e descubra o próprio jardim.



Acorde com gosto de caqui e

sorria lírios para quem passe debaixo de sua

janela.

Ponha intenções de quermesse

em seus olhos e beba licor de contos de

fada. Ande como se o chão estivesse

repleto de sons de flauta e do céu

descesse uma névoa de borboletas, cada

qual trazendo uma pérola falante

a dizer frases sutis e palavras de

galanteria.

Se você não tem namorado é

porque ainda não enlouqueceu aquele pouquinho

necessário a fazer a vida parar

e de repente parecer que faz sentido.

Enlouqueça! (Carlos Drummond de Andrade)



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